Todos os dias ela fazia o mesmo caminho. Era sua religião. Seguia pela rua, entrava naquela casa, antes abandonada, e cuidava da jabuticabeira.
Agora a casa estava ocupada, não para ela. Entrava da mesma forma que sempre fez, se via aquele homem o cumprimentava com um sorriso e nada mudava. Alegremente conversava com a árvore que representava, em seu coração, amizade eterna que teria com a amiga que se fora prematuramente. Mais que isso, o amor pela planta crescera, era sua confidente, sempre disposta a ouvir, oferecer a sombra nos dias de sol forte e abrigar nos dias de chuva.
No início ele foi indiferente, até gostava de vê-la por ali. Mas o tempo passou e com ele a esperança que brotara naquela madrugada da limpeza. A amargura tomou seu velho assento naquele peito cansado contudo resignado. Decidiu fechar o portão.
Ela caminhava pela rua como em um dia qualquer, afinal nada indicava que não fosse. Chegou ao grande portão. Fechado. Olhou seu pé de jabuticaba de longe, enfiou as mãozinhas por baixo do trinco e abriu o portão. Sorrindo, vitoriosa, foi até sua companheira.
Ele estava a observá-la da janela. Não gostou do que viu, aquela menina impertinente não sabia o seu lugar? Pensou em ir até ela mas desistiu. Apenas se limitou a acompanhar a liturgia diária. Achou estranho o fato dela ter saído e deixado o portão exatamente como encontrou. Fechado.
No dia seguinte, lá vinha a menina dos olhos pretos e curiosos a cantarolar pela rua cumprindo seu rito. Novamente encontrou o portão fechado e colocou a mão por debaixo tentando abri-lo. Sentiu algo gelado. Um cadeado...
De longe, o homem do olhar melancólico se vangloriava de seu feito, vencera o jogo. Agora essa menina não entra aqui. Pensou. Um leve sorriso esboçou-se naquele rosto rancoroso.
Ela analisou o portão. Enfiou os pés por entre as grades e, triunfante, escalou a barreira que a separava de seu objetivo.