terça-feira, 9 de setembro de 2008

Capítulo II - Limpeza

Era preciso começar por algum lugar. Limpou um canto do jardim onde colocou ração e água para seu fiel amigo. Parou-se um tempo olhando a jabuticabeira. Não sabia ao certo porque fazia isso. Pegou-se pensando no encontro que ocorrera mais cedo. Riu ao lembrar do jeito infantil daquela menina dos olhos pretos e curiosos. Riu... Quanto tempo não via seus lábios se flexionarem daquela forma... Quanto tempo muita coisa não acontecia...
Logo se desfez de seus pensamentos, havia muito trabalho. Pegou um balde e encheu de água. Vassoura em punho. Olhou a sala imunda e resolveu comer algo.

- Por que a pressa? - falou alto tentando se convencer de que a limpeza poderia esperar.

Enquanto fazia um sanduíche de mortadela se transportou a outro tempo. Ficou tão distante que nem percebeu o seu cão latindo e saracuteando por um pedaço daquele lanche.
Aquele lugar urgia por limpeza. Não o físico... O coração estava carregado de mágoas, rancores, remorsos, arrependimentos... Há muito ninguém aparecia por ali. Ele precisava fazer algo. Mudou-se mas tudo parecia como antes.
A chuva começou a cair e o sol se foi. O frio continuava. Por quê? Essa interrogação teimava em martelar na sua cabeça. Começou a arrumação. Tirou a poeira amontoada na sala, não sem antes espirrar várias vezes. Varreu os quartos. Desinfetou os banheiros. Consertou o chuveiro. Trocou as lâmpadas queimadas. Ajeitou seus livros. Os móveis chegaram no fim da tarde quando toda casa já estava limpa. Virou a noite montando camas e armários. Se cansou. Deitou no sofá.
Estava exausto, todo corpo doía. Todo corpo... As lágrimas rolaram sem motivo. Pelo menos era assim que ele preferia ver. Talvez fossem de felicidade por estar recomeçando. Talvez de medo pelo que estava por vir. Não. Ele bem sabia... Eram de saudade...
Rex lambeu sua mão e deitou-se próximo.

- O que seria de mim sem você? Sempre ao meu redor, me protegendo, me observando, sendo um amigo fiel. E o que me cobra para isso? Um pouco de ração, água limpa e um afago eventual.

Olhou seu cão com muito afeto. Acariciou sua cabeça e o pranto, que havia se contido, desatou em soluços. Estava frágil. Neste instante lembrou do pé de jabuticaba, da menina que entrou pelo portão sem fazer cerimônia e permaneceu ali mesmo quando descoberta. Tinha um sorriso maravilhoso, era visível a pureza de seu coração.
Sua condição se modificou. Encheu-se de esperança e decidiu cuidar daquele jardim. Se dedicaria às plantas como aquela menina fez com a jabuticabeira. Um novo tempo o esperava, que fosse da mais profunda paz...